foto daniel de andrade simões
O GUIZO NO PESCOÇO DO GATO
Os pedidos apreciados na Comissão de Anistia, em Brasília e em caravanas por todo o País, tem em comum o pedido de desculpas, em nome do Estado brasileiro, pelas atrocidades praticadas durante a ditadura militar contra presos e perseguidos políticos e os emocionados depoimentos prestados pelos anistiados, levando às lágrimas conselheiros, familiares e o público presente. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro realizou este mês uma audiência pública da Comissão Nacional da Verdade (CNV), colhendo depoimentos de ex-presos e perseguidos, concluindo que mortes, desaparecimentos e torturas não foram fruto de abusos e excessos de agentes do aparelho repressivo, mas de definições claras de políticas de Estado, como bem definiram os integrantes da CNV Paulo Sérgio Pinheiro e Gilson Dipp, Ministro do Superior Tribunal de Justiça e seu Presidente, fortalecendo a necessidade de abertura dos arquivos da repressão.É dever do Estado o direito ao perdão, à memória e a verdade dentro e fora dos seus respectivos territórios, aplicando mecanismos judiciais estatais e particulares nas comissões da verdade, de esclarecimento, interpretação, reconhecimento das vítimas, reconciliação e perdão: só se perdoa o que se conhece. Cabe à sociedade decidir o que, como e onde as vítimas têm que ser consideradas perdoadas e reparadas.
Na Bahia, a OAB prepara-se para eleger uma nova diretoria. Seu presidente, Saul Quadros, é ex-preso político e conviveu com as lutas pelo restabelecimento das liberdades democráticas, sendo natural que a chapa que ele encabeçar considere a situação nacional, promovendo iguais audiências. Há muito a revelar nos antigos processos da OAB, como no Tribunal de Justiça, na Justiça Federal e em órgãos públicos sobre os chamados “anos de chumbo”. A Secretaria de Segurança do Estado é um repositório intocado, até hoje, de informações políticas. Ainda não se sabe, com clareza, por exemplo, os labirintos que levaram às mortes de Iara Iavelberg e Carlos Lamarca, assassinados na Operação Pajussara, de Eudaldo Gomes da Silva, assassinado na chacina da Chácara São Bento, e ao desaparecimento do jovem militante baiano Sérgio Landulfo Furtado, episódios ocorridos na Bahia. Os arquivos existentes de todos os presos que passaram pela Galeria F da Penitenciária Lemos Brito estão incólumes, nunca foram manuseados.
A OAB pretende fazer uma homenagem aos advogados de presos e atingidos políticos, escolhendo alguns deles por critérios ainda não definidos: Jayme Guimarães, o deão da Auditoria Militar, iniciador de todos os defensores de presos e atingidos políticos na Bahia, obrigatoriamente é um deles. Ronilda Noblat, a quem a Ordem deve uma reparação por relegá-la ao ostracismo, outra homenagem. José Borba Pedreira Lapa, Inácio Gomes, Aristides Oliveira, Marcelo Duarte, Raul Chaves, Pedro Milton de Brito, João de Mello Cruz, eu próprio, imodestamente, entre outros, somos credores de iguais diplomas, independentemente do que pensem grupos internos. A eles muitos devem a liberdade, a presença física e a vida. Mais contribuições para essa lista são esperadas. O direito natural em contraponto ao direito positivo exige o comprometimento com a sociedade e o momento histórico e social vivido, em que os fatos acontecem. Os advogados não perderão a oportunidade de contribuir para esse justo reconhecimento da valorosa contribuição da classe na defesa de presos e atingidos políticos.
A nova diretoria não deve ser omissa, tímida ou vacilar em relação aos documentos sobre a repressão, dando ela própria o exemplo, localizando em seus arquivos e tornando público o que houver relativo a perseguições políticas, ampliando a Comissão de Direitos Humanos em quantas subcomissões forem necessárias, para participar da Comissão Nacional da Verdade de forma efetiva e consistente. Essa atuação é permitida pela recente Lei de Acesso à Informação. Não há motivo para manter a Seção da Bahia distanciada do que acontece nos demais Estados, nem receio de desagradar quem quer que seja. A OAB – BA não teme ratos, o guizo está sempre em seu pescoço.
Publicado no jornal A Tarde, Bahia, em 24-08-2012.
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