Camisa branca, Osmar Trindade e colegas jornalistas - fotos daniel de andrade simões
Por Antonio
de Oliveira, Jornalista Profissional DRT-RS 3403, exclusivo para o Saitica.Estava por deixar a presidência do Sindicato dos Jornalistas Profissionais e numa bela manhã me apareceu por lá o Osmar Trindade cheio de segredos. Estranhei o fato de ele ter me ligado antes para marcar uma conversa, mas como a situação política estava mais conturbada do que nunca, simplesmente concordei e fiquei aguardando a chegada dele. Naqueles dias (e hoje também), não era recomendável falar muito pelo telefone.
Com a conversa macia de sempre, e um sorriso irônico, depois de alguns minutos de elocubrações ele atacou impiedosamente. Na jugular. "Nós examinamos a situação por lá (na Coojornal) e concluímos que tu és o único nome capaz de congregar todo mundo e evitar uma dissidência na eleição, o que seria fatal para a cooperativa e para todos nós neste momento e neste estágio em que estamos. E a decisão é que tu assumas a vice-presidência da chapa".
Naqueles tempos, para tipos cascudos (palavra que está em moda lá pela Azenha) que nem nós, missão era missão. Não se discutia, se assumia e se executava. Ou não. Não tinha meio termo. Então, no momento em que só me passava pela cabeça retomar as atividades com todo o vigor na redação, pois me negara a uma reeleição no Sindicato, depois de três anos trabalhando sem me licenciar para atender a entidade, também uma decisão pessoal minha, fui à luta. Mais uma eleição de chapa única.
Sem entrar em detalhes se foi bom ou ruim naquelas circunstâncias, já que compartilho da suspeita do grande causídico Marco Túlio de Rose de que se não houvesse a perseguição da ditadura militar a Coojornal estaria viva até hoje, ainda entendo que foi a decisão mais correta que poderíamos tomar. Assim, assumi a vice-presidência tateando, já que não conhecia com profundidade seu dia a dia, pois até ali havia sido somente conselheiro e um fiador sem grandes riscos, pois não possuía imóveis próprios.
Confesso-lhes que o que começou como mais um aprendizado, transformou-se num verdadeiro tsunami de emoções. E perigos. Fortíssimas emoções. Atropelado pelas prisões e o julgamento de Trindade, Bicudo, Rosvita e Rafael, embora tenha sido por um curto período, episódios que marcaram profundamente a vida de todos nós. A minha, pelo menos. Afluíram sentimentos que eu jamais imaginara que existiam dentro de mim. E descobri que há coisas que eu não negocio. Constatação que me ajudou muito dali para a frente.
Flávio Tavares, autor de Memórias do Esquecimento - visita presos do Coojornal
De lá para cá, sempre que era requisitado para alguma entrevista, palestra ou debate, sempre fazia questão de dizer que os jornalistas gaúchos tinham duas grandes dívidas para com a sociedade. Os resgates do sequestro dos uruguaios Lilian e Universindo e da história do Coojornal. Por isso, estou hoje de alma lavada. Primeiro, pelo livro do Luiz Claudio Cunha, e agora, pelo trabalho realizado pela Clô, Bicudo, Rafael, Vieira e Centeno.
Estes dois dias de apresentação e debates me emocionaram muito. Minhas filhas MARIANA E MARINA, estudantes de jornalismo e que não viveram aqueles tempos bicudos (desculpem!), também se emocionaram com o trabalho e ao ver que a imensa maioria das pessoas que circulavam pela exposição, que estavam no coquetel, que assistiram às apresentações do documentário e que participaram dos debates, conheciam o pai delas.
Por tudo isso,
concluo também que fiz certo em permanecer em silêncio nestes dias. Só
contemplando. E anotando. E de tudo que anotei, selecionei estas falas que
transcrevo abaixo. Em homenagem, digamos assim, ao companheiro Osmar Trindade.
"O
Coojornal noticiava o que a grande imprensa não divulgava. Eles não
tratavam dos assuntos. Os temas continuam ai, mais pertinentes do que nunca,
nos cobrando posições. Os nanicos (pequenos jornais de esquerda durante a
ditadura militar) foram importantes no processo de redemocratização, na
organização popular, na criação dos partidos, porque enfrentaram a censura. No
final da década de 1970 eram 160 pequenos jornais que noticiavam o que a grande
imprensa não publicava. Os grandes jornais não davam o que se passava no
Brasil. Não é excesso de nostalgia, o tema (discussão sobre o trabalho da
imprensa) continua mais pertinente do que nunca. A sociedade continua nos
cobrando comportamento".
"O maior crime
contra a Coojornal não
foram as prisões, foi a queima dos arquivos pela Justiça... "Este debate é um resgate da memória histórica, mas o tema é da maior atualidade. Não há coisa mais urgente para se discutir do que a atuação da imprensa. O País fez uma opção forte, persistente, pela democracia, mas ela só se realiza com a organização e participação das pessoas.
Luiz Claudio Cunha autor do livro Sequestro dos Uruguios e Antonio Oliveira (com chapéu)
Há carência em todos os meios de
informação, que informam com parcialidade ou manipulação. A crítica forte e
séria é necessária, importante. Esses grupos que dominam a mídia brasileira não
se dão conta da necessidade de informação diversificada para se poder entender
o que está acontecendo... Cartunistas da Coojornal, Edgar Vasques ... Santiago e Corvo
"A população fez o controle silencioso da natalidade no País e reduziu em 50% os nascimentos sem que a imprensa se desse conta. Aconteceu a ascensão social de uma faixa enorme da população, dentro de um processo democrático de transferência de renda, com apoio da sociedade, sem que a mídia se desse conta. A informação não circula e a que circula é domesticada. Não falta interesse, mas falta liberdade no novo modelo que surgiu nas redações. É um modelo que está morto. Prevalece o jornalismo individual, acabaram-se as discussões nas redações, que davam o sentido do coletivo, do diversificado, no corpo das redações. Hoje as redações não percebem o que está acontecendo na sociedade. As redações de hoje têm pouca sensibilidade. As redações de hoje são dóceis, homogeneizadas e hierarquizadas...
"Eu assisto o Jornal Nacional não para ver as notícias, mas só para saber qual é a opinião da Globo, o que ela pensa. E como é velho o formato do Jornal Nacional. É uma coisa lá da década de 1970. Ai inventaram o Jornal Nacional no Ar. Então, se mandam lá para Girau (AL), mas chegam lá, fazem umas duas entrevistas, mostram algumas imagens e vão embora. Saem correndo para outra pauta, e nunca mais voltam lá. E nós ficamos sem saber o que aconteceu lá, pois eles não aprofundaram nada. É um jornalismo que não é pensado, é demandado de fora para dentro. Parece mais uma coluna social do poder.
"Há espaço para os jornalistas fazerem jornalismo...
"A autocensura é mais prejudicial que a censura...
Nei Lisboa ..."se me derem um pedaço de plutônio, meus amigos se encarregam de explodir" ..
A imprensa se nega a discutir uma causa que é dela (a criação dos Conselhos de Comunicação Social). A imprensa é feita para discutir. Para a imprensa (as grandes empresas), ninguém pode se reunir e discutir nada que lhe diga respeito, que é taxado de censura. E os jornalistas que estão nas redações fazem ouvidos de mercador. Fazem de conta que nem é com eles. A boa informação, a informação de qualidade, é responsabilidade do profissional e não da empresa. Mas alguma coisa nova vai surgir. Pequenos projetos com uma nova linguagem...
"Há grande queda na venda dos jornais, mas não é só por causa da internet, não. Em parte pode ser, mas não é só por isso. Uma tecnologia não acaba com a outra. Ela desloca. Não vêm o disco de vinil? Ele está ai até hoje. Eu pego os grandes jornais e só olho as manchetes e jogo de lado. Eles não trazem nada de novo, nenhuma matéria interessante, com profundidade. Falam de tudo para todos, mas superficialmente. Aposto que ninguém sabe o que está sendo discutido no Novo Código Florestal, pois ninguém fez uma boa matéria sobre o que está sendo discutido. Hoje só se faz jornalismo declaratório. Vão lá e copiam a declaração de um deputado, de um ministro, de um político qualquer... São catadores de palavras (como disse certa vez lá em Brasília um motorista do ex-ministro da Fazenda Dilson Funaro)....
"Hoje, em Porto Alegre, tu consegues comprar os jornais de Rio e São Paulo em três ou quatro bancas. Só...
"Um repórter da Zero Hora conversou duas horas comigo, fez a matéria e o jornal não publicou (sobre o processo da mãe do ex-governador Germano Rigotto contra o Jornal Já). Um processo vergonhoso para o Rio Grande, que ninguém da imprensa noticiou".
"As agências são gerenciadoras de recursos dos clientes. E naquele tempo (da ditadura militar) era difícil mudar a cabeça dos clientes que recebiam pressão econômica (para não anunciar no Coojornal e para não trabalhar com a Coojornal)".
"Não fizemos o Coojornal para derrubar o regime, a ditadura...
O modelo de cooperativismo (para os jornalistas) não está esgotado...
A Unimed e a Cotrijui foram as únicas que seguraram a barra (que continuaram anunciando e trabalhando com a Coojornal)".
"Eu pedi que eles me dessem a orientação por escrito, pois a Unimed era uma cooperativa e eu tinha que levar para discutir com os associados (para não anunciar mais na Coojornal) e eles disseram que isso não podiam fazer. Me convocaram para depor. Fiquei lá duas horas e quando sai me advertiram que poderiam me chamar de novo. Eu disse que não tinha problema, pois o cafezinho deles era muito bom".
"Os jornais amanhecem vencidos, passados, velhos, não trazem nenhuma novidade, não aprofundam os temas, não instigam. Com a internet não se precisa mais deles. Em dez anos, perderam 47% de circulação e vendas. Hoje cada um tem o seu espaço de procurar notícias, de se informar pela internet. Você pode perder um noticiário da TV, mas chega em casa e vai lá e pode recuperá-lo nos arquivos da emissora".
"A imprensa de hoje não acompanha as lutas e as conquistas da sociedade. É uma imprensa horizontal, que não aprofunda nada. Não se faz mais matérias completas".
2 comentários:
Fantástico!
Pura história!
Valeu!
Muito bom professor, compartilhei no face. Abração forte
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