foto daniel de andrade simões
Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.Ninguém avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... Casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas– e dizia:– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... Tudo sobre a mesa.Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.Pra quê televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... Até que sumissem no horizonte da noite.O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.Casas trancadas.. Pra quê abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos, do leite...Que saudade do compadre e da comadre!
José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.
2 comentários:
Lucia Bittencourt
11:00 (20 minutos atrás)
para mim
Presencia/ausencia. Coruja sempre de longe, espiando, atenta, solitária. De vez em quando, a cabeça dá uma guinada de cento e oitenta graus mas, logo depois, volta à posição inerte, fingindo que não está vendo nada.
Bela foto para o belo texto do Resende.
Obrigada por se lembrarem de mim.
Iuri copiou a foto dele nos braços do LOUIS para o facebook. Foi extremamente comentado.
Hoje, mais uma sexta-feira. Mais um motivo para reflexões e ímpeto para cervejinha ou vinho. Amanhã acho que vou encontrar a irmã de Luiz, Lucinha, para uma sessão de halterocopismo e troca de lamentos e piadas, pois não me limitarei nunca aos "habituais lamentos" como dizia o meu companheiro em um de seus poemas.
Beijos e bom fimde.
Lúcia
Olá amigo
Que lindo texto. Sinceramente me emocionou. Lembrou-me minha infância, a família...as visitas nos domingos à tarde. Maravilhosa simplicidade. Perfeita a comparação com os dias atuais, perfeito a imagem, o título, enfim. Parabéns ao Prof José Antonio e a vc pela sensibilidade da postagem e foto.
Acho que vou voltar mais vezes ao Saitica.
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