Tânia Miranda, historiadora, mestre em educação
"Esta noite, quando acariciarem seus filhos, quando buscarem o descanso, pensem na manhã dura que teremos pela frente, quando precisaremos colocar mais paixão, mais carinho, para fazer o Chile cada vez maior e tornar cada vez mais justa a vida em nossa pátria.” Foi assim que concluiu o seu discurso para milhares de pessoas, na histórica noite de 4/9/1970, quando deixou de ser o “companheiro Allende” para tornar-se o “companheiro presidente”.
Este mês o Chile vive três datas especiais. Duzentos e dois anos da independência, 42 anos da eleição de Salvador Allende para presidente, quando o povo chileno abriu as portas da história para profundas transformações políticas, econômicas e sociais, com a denominada “via chilena para o socialismo” e 39 anos do sangrento golpe de estado protagonizado pelas Forças Armadas, estimulado pela burguesia e por Washington, em que foi implantada a ditadura militar comandada pelo general Pinochet.
Na situação geopolítica mundial de então, bipolarizada - capitalismo X socialismo - os EUA não admitiam mais um país socialista na sua área de influência, após Cuba. Na década de 1970, na América do Sul, apenas o Chile, a Colômbia e a Venezuela mantinham estados de Direito com governantes eleitos pelo povo. O Brasil, a Argentina, o Paraguai, a Bolívia, o Peru, o Equador e o Uruguai, eram comandados pelos militares, apoiados por Washington.
Com o golpe de 11/9/1973, por uma semana o Chile foi fechado para o mundo, enquanto os tanques rolavam, os soldados arrombavam portas, o som das execuções pipocava dos estádios e os corpos se empilhavam nas ruas ou flutuavam nos rios. Os centros de tortura iniciaram suas atividades, os livros considerados subversivos eram atirados a fogueiras, e os soldados rasgavam as calças das mulheres aos gritos de, "no Chile as mulheres usam saias”.
Allende morreu resistindo, tornando-se uma das primeiras vítimas da ditadura que duraria 17 anos deixando três mil mortos ou desaparecidos. Chegou democraticamente ao poder, e dele foi apeado pela violência de uma ditadura sanguinária. São as veias abertas da América Latina.
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