Rui Patterson, advogado - ruipatterson@terra.com.br
Começo as atividades para lembrar os 50 anos do golpe civil-militar de 1964 trazendo aos leitores quatro temas fundamentais, explicando o que foi a ditadura e os efeitos dela sobre o país e a população, propondo soluções lógicas que, pelo seu ineditismo e o pouco interesse demonstrado até agora por analistas, historiadores e a mídia, poderiam resolvê-los.
O primeiro: as vítimas do golpe, pessoas e instituições perseguidas, presas e desaparecidas, militantes, simpatizantes ou apoiadores, universo distante de ser inteiramente conhecido, devido a um mecanismo pouco explorado que se instala em suas cabeças a partir do momento em que decidiram resistir e sentiram o peso da repressão.
Os traumas decorrentes, conhecidos ou meramente delineados, são de tal ordem que subjugaram suas vidas e das instituições às quais estavam ligados, ficando incapazes de falar ou escrever sobre aquele difícil período, não importando o grau de amizade com seus interlocutores. Tive dificuldades para escrever o livro Quem samba fica – Memórias de um ex-guerrilheiro, poucos dos companheiros de militância e simpatizantes se dispuseram a dar suas versões, receosos de um novo golpe.
fotos daniel de andrade simões
fotos daniel de andrade simões
Outra vertente dos antingidos-vítimas, essa mais importante, é a do militante, simpatizante ou apoiador conduzido a cargos de projeção no regime integrado por antigos militantes, que se revela de tal forma identificado com o poder reinstituído que apoia boa parte do que antes pretendia subverter, exceto os casos de reavaliação crítica da política e da economia, por exemplo. Um caso específico a ser considerado nessa vertente é a questão policialesca e prisional, ao qual só vieram a dar atenção após se tornarem vítimas do sistema.
Os livros, filmes, novelas e outras formas de contar suas experiências não são bastante para se ter clareza de como os fatos aconteceram, uma vez que as versões nem sempre são fidedignas, embora próximas da realidade. Não era hábito da ditadura agir à luz do sol e, sim, nas masmorras e porões, surgindo a necessidade de obter do outro lado da história – os algozes – suas versões. Não se negam a contá-las, solapando dos interlocutores as informações incriminadoras, depoimentos plenos de bravatas, ameaças de retaliação e cinismo, mas sempre trazendo indícios dos malfeitos.
Esses depoimentos não devem ser extorquidos à força em sessões de acerto de contas, porque seria a reprodução do que se pretendia combater, e, sim, manejados civilizadamente por historiadores, sociólogos, psicanalistas e jornalistas, para que o documento produzido tenha critérios científicos e não se torne propriedade de quem o colheu, disponibilizando-o a toda a sociedade.
Esses depoimentos não devem ser extorquidos à força em sessões de acerto de contas, porque seria a reprodução do que se pretendia combater, e, sim, manejados civilizadamente por historiadores, sociólogos, psicanalistas e jornalistas, para que o documento produzido tenha critérios científicos e não se torne propriedade de quem o colheu, disponibilizando-o a toda a sociedade.
Essa providência seria fundamental para conhecer-se o destino dos desaparecidos no estado da Bania, por exemplo, todos listados, de forma incompleta, no livro citado, começando por Pedro Domiense de Oliveira até João Leonardo da Silva Rocha, desaparecidos pela repressão.
O terceiro tema é o das famílias, tratadas por críticos da ditadura sem aprofundarem o quanto foi terrível participar da resistência sem ser militante e simpatizante, apenas apoiador, suportando infindáveis sessões de autorização para visitar seu preso, humilhados, espezinhados, ameaçados.
Finalmente, a condição do desaparecido-existente, o militante, simpatizante ou apoiador que participou da luta, não foi preso ou processado, citando no meu livro dois exemplos: a companheira Candinha, nome de guerra de Sonia Coelho de Magalhães Gomensoro. Nos interrogatórios era conhecida pelo codinome, livrando-se de ser presa e processada. Atormentada pela possibilidade de prisão cometeu suicídio em Londres, afogando-se.
Finalmente, a condição do desaparecido-existente, o militante, simpatizante ou apoiador que participou da luta, não foi preso ou processado, citando no meu livro dois exemplos: a companheira Candinha, nome de guerra de Sonia Coelho de Magalhães Gomensoro. Nos interrogatórios era conhecida pelo codinome, livrando-se de ser presa e processada. Atormentada pela possibilidade de prisão cometeu suicídio em Londres, afogando-se.
Ivanna Denijke Couto Nobre Feldmann, integrante do PCBR, minha estagiária e depois colega no Sindicato dos Engenheiros da Bahia, transferida pelo partido para Jaguarari (Ba), suicidando-se. A todos esses casos, proponho a adoção das providências pela comissões de Direitos Humanos, da verade e Anistia, materializando o desejo da sociedade de conhecer o período ditatorial.
Publicado no jornal A TARDE, Bahia, 25 de março de 2014.
Publicado no jornal A TARDE, Bahia, 25 de março de 2014.
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