terça-feira, 17 de abril de 2012

Sequelas da repressão política - Tânia Miranda

foto daniel de andrade simões
Sequelas da repressão política  -  Tânia Miranda

 O corpo de Alfredo Cunha foi encontrado sem vida em 2/5/2009 em um quartinho pobre na Cidade Baixa em Salvador-Ba. Permaneceu semanas  no  Instituto  Médico Legal    à espera de familiares para  reclamar o corpo e lhe dar um enterro digno.  Como isso não ocorreu, foi relegado à cova  rasa dos indigentes. Sua história começa em 1969, quando ele, seu pai – paraplégico – e sua mãe, moradores pobres de Periperi, foram presos pela polícia política baiana.          Seu pai, Walter, sapateiro de profissão, fora militante do  PCB  e  após o golpe militar de 1964 ligou-se à Polop – organização política clandestina de resistência à ditadura militar. Alfredo, naquele ano, era um jovem secundarista de 19 anos. Apresentava sinais de distúrbios psicológicos. Percebia as atividades clandestinas do pai, mas pouco entendia de política. Convivia com um primo universitário suposto militante do MR-8.         Nunca ficou esclarecido como foram denunciados à polícia. Supõe-se que a delação teria partido de um ex-empregado do sapateiro que, demitido, buscou vingança.          Os três  prisioneiros  foram  conduzidos à sede da  Polícia  Federal  na Praça  da Sé. Ali foram barbaramente torturados. Logo foi identificado o parentesco da família presa com o primo de Alfredo, que se encontrava foragido. As torturas recrudesceram. Queriam uma informação ignorada por eles: a localização do primo. Capturado, se juntou aos três. As torturas continuaram e seus algozes agora exigiam nomes e armas. O primo foi levado para outro local e nunca mais a família teve notícias dele.           Sofrendo translado para diversos órgãos da repressão, as sessões de torturas se prolongariam por meses. Eram libertados e novamente presos e torturados.            Em 1970, o sapateiro foi condenado a um ano de prisão. Cumpriu pena na Casa de Detenção. Fruto de sequelas das torturas sofria de intensas dores abdominais. Faleceu em 1991 de hemorragia interna e a mãe, Waldelice, em 1994, de AVC. Alfredo acabou absolvido por insuficiência de provas. Mas sua situação psicológica estava irremediavelmente comprometida. Tentou retomar os estudos, sem êxito. Nos vários empregos era demitido com a mesma justificativa: excesso de atestados médicos. Frequentemente era acometido de crises  nervosas e, levado à emergência de hospitais,  recebia doses cavalares de tranqüilizantes. A morte dos pais potencializou o seu estado de saúde em função do abandono e da solidão.            Com a lei da anistia em 1979, passou a denunciar o seu drama a entidades de defesa dos direitos humanos, às quais entregou emocionante depoimento em que narra a trágica saga da sua família, destacando, em detalhes, os horrores dos porões da repressão baiana. Junto, uma declaração, assinada a termo, identificando os 16 indivíduos que teriam participado das torturas e sevícias a que foram submetidos. Lembranças desse pesadelo o perseguiram até a morte. Alfredo não resistiu. Suicidou-se. Quem vai responder por mais essa morte?

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