terça-feira, 23 de agosto de 2011

La Novena por WISLON BARBOSA - Negus. Sobre sua prisão no Uruguai (ficção)



Fronteira com o Uruguai - fotos daniel de andrade simões

Uma página da sua narração de "La Novena"
... Lá estavam meus dois sentinelas, mas não eram os mesmos. Como efeito dos choques e das agressões, tinha um problema com a perna direita e o braço esquerdo. Tinha uma sede fenomenal, mas não podia-lhes pedir água.

Meu corpo todo tremia, como vara verde. Pelo menos havia uma indiferença dos policiais, que pareciam ignorar a minha existência. Seja eles quem for que sejam, têm nisso uma dignidade – se for dignidade – que falta aos policiais brasileiros. Eles sabem ignorar alguém em sua desgraça. Os brasileiros não: como autênticos descendentes de escravos, debocham da vítima e se regozijam. Alí, após a avacalhação da minha dignidade, parte dela me foi devolvida por aqueles que pareciam me ignorar. Isso permite que você retorne ao seu próprio fortim e costure no ódio sua mazelas.

Levaram-me para a parte de trás do prédio principal, onde o caramanchão escondia um pátio de seus oitenta metros quadrados. Fui – com as mãos algemadas atrás das costas – enfileirado de cara para a parede, da qual não se podia afastar. Outros presos foram chegando durante a manhã e foram enfileirados na mesma parede, mas não se podia vê-los corretamente, porque era-se proibido de voltar a cabeça. Um policial zelava para que todos ficassem de nariz encostado na parede. Ao mesmo tempo, devia também encostar o bico dos sapatos. Trata-se certamente de uma tortura de origem britânica. O nariz aquilino do homem branco afasta sua cabeça da parede, enquanto os bicos do sapato encostados prejudicam o seu equilíbrio. Durante umas nove horas que fiquei ali, dois companheiros cairam. Um deles diversas vezes, desmaiando por fim.

... Este era o mundo certamente do delegado Morán e de seus auxiliares.

...Caminhava para as quatro da tarde quando um policial de camisa amarela e colete de lã azul, sem mangas, atravessou a linha de tiro e dirigiu-se a mim. Seu ar era de um velho conhecido, que podia falar diretamente comigo, sem quaisquer ressentimentos ou conhecimento prévio...

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