Tânia Miranda, historiadora, mestre em educação
Publicado no jornal A TARDE, Bahia, hoje, 11/09/2104.
É animadora a manifestação favorável do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em relação à revisão da Lei da Anistia que completa 35 anos. Marcada por questionamentos em instâncias judiciais, as demandas nos tribunais desafiam a noção de impunidade e esquecimento, habilmente construídas pelos militares. É jurisprudência no direito internacional que um Estado não pode se autoanistiar e que crime de tortura é imprescritível.
No Chile e na Argentina, o judiciário tem tido papel importante na busca de justiça. O perdão autoconcedido não impediu o julgamento de agentes do Estado envolvidos com violações de direitos humanos. O Chile processou centenas de pessoas ligadas à repressão, condenou 15 militares e um civil à prisão perpétua, rejeitou o uso da anistia em um caso envolvendo 24 desaparecidos, e um outro – que havia sido encerrado – foi reaberto, numa clara contestação do judiciário à impunidade. O ditador Pinochet respondeu a processo acusado de assassinato, e mais de 200 ações contra ele foram apresentadas. O ex-presidente Alfonsín chegou a defender a abertura de processo, considerando: quem deu ordens, quem cumpriu ordens e quem se excedeu no cumprimento de ordens.
Na Argentina um tribunal federal condenou a 25 anos de prisão o último ditador do país, Reynaldo Benito Bignone. Quando secretário-geral do estado-maior do exército, comandou a ocupação militar do Hospital Posadas e transformou sua escola de enfermagem em centro de detenção e tortura. Dirigiu o Campo de Mayo, uma das principais bases militares e centro de tortura e execução de presos políticos. Ali, milhares desapareceram, e presas políticas tinham seus filhos roubados e entregues a militares antes de serem executadas. Seus últimos meses de governo foram dedicados a destruir documentos relacionados à prisão, tortura e assassinato de desaparecidos e a promulgar uma anistia geral aos militares, esforços que não conseguiram salvá-lo da justiça. Foi condenado por um total de 56 sequestros, assassinatos e desaparecimentos.
No Brasil, nenhum agente do Estado acusado de crimes de tortura, morte ou desaparecimento foi a julgamento. Estamos presos a esse registro de esquecimento que gera um fato inusitado: as vítimas da ditadura precisam ingressar com pedidos de anistia para ter seus direitos, como perseguidas políticas, reconhecidos. Ao Estado se impõem pelo menos quatro obrigações: o dever de justiça – identificar, processar e punir os responsáveis pelos crimes cometidos; o dever de revelar a verdade – com a localização de corpos e abertura de arquivos; e o dever de renovar as instituições, em especial, o sistema de segurança, o que inclui o afastamento de criminosos dos órgãos relacionados ao exercício da lei e de outras posições de autoridade. Do ponto vista ético, é inaceitável comparar jovens vitimados com seus algozes. Muitos dos crimes foram cometidos contra cidadãos que nada fizeram de violento, apenas manifestaram sua opinião, direito garantido pela Constituição. É o caso de Rubens Paiva e Vladimir Herzog, entre muitos outros. Brasil, impunidade até quando? “Nem perdão nem talião: justiça!”
Um comentário:
fotos daniel de andrade simões
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