João Amazonas, dirigente do PCdoB - foto daniel de andrade simões
Tânia
Miranda, historiadora, mestre em educação
tania.miranda@terra.com.br
Pautada
na concepção positivista, a historiografia brasileira tradicional privilegia a
ação de heróis nacionais em detrimento de outros sujeitos históricos.
Preservam-se as igrejas barrocas, os fortes militares, as casas-grandes, os
sobrados coloniais. “Esquecem-se” das senzalas, dos quilombos, das vilas
operárias, dos cortiços. A Inconfidência Mineira e os seus personagens são
exaltados. Ignora-se a existência de João de Deus, Manoel Calafate, Francisco
Sabino, personagens de dramas que se desenrolaram pelas ruas, ladeiras e praças
de Salvador. Um passeio para conhecer os nomes de avenidas, ruas, escolas, hospitais
e uma rápida olhada nos monumentos que decoram as praças de nossas cidades é
aprender uma história às avessas.
A
memória histórica constitui uma das mais fortes e sutis formas de dominação. A
institucionalização da memória oficial serve
como legitimadora e justificadora do projeto político de dominação.
Tradicionalmente, são os porta-vozes de grupos ou classe social hegemônica que contam
a história do seu jeito, selecionam o que deve ser dito, os agentes sociais que
devem ser apagados da memória social. Impondo a sua visão, imortalizam aqueles
que serviram aos seus projetos e excluem líderes de movimentos de contestação e
resistência. São os povos sem história. Os vencedores, ao mesmo tempo em que
intervêm nos acontecimentos, criam as condições para a sua própria dominação.
Procuram ocultar as permanências e as rupturas, as diferenças e as contradições
das relações sociais, aquilo que pode significar ameaça à perpetuação do seu
poder.
É
comum destruir os apoios da memória e substituir a lembrança pela história oficial
celebrativa, cujo triunfalismo é a vitória do vencedor a pisotear a tradição
dos vencidos. A história geral descreve um processo único e evolutivo, marcado
por grandes eventos, passando a ideia do progresso como direção inevitável. A história
do Brasil apresenta uma visão olímpica de biografias nacionais definitivas e
intocáveis.
Mas
nem tudo é permanência. A partir da década de 1980 – marco de mudanças – inaugura-se
nova fase para a historiografia brasileira. Exemplo foi o tombamento da Serra
da Barriga, local onde se desenvolveu o maior quilombo da história do Brasil –
Palmares – e o tombamento do Arraial de Canudos, onde ocorreu um dos mais
importantes movimentos populares da história nacional. Nilmário Miranda e
Carlos Tibúrcio, no livro Dos filhos
desse solo – mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a
responsabilidade do Estado, revelam que
a ditadura decidiu fazer uma “limpeza” na área da Guerrilha do Araguaia a fim
de apagar os vestígios de que algum dia ocorrera naquela região um movimento
guerrilheiro. Imbuído do espírito de manter no anonimato a memória não oficial,
o prefeito de Xambioá (TO), Richard Santiago Pereira, do antigo PFL, mandou
destruir, em 2005, um símbolo da Guerrilha do Araguaia: um jardim, na entrada
da cidade, onde estavam espalhadas as cinzas do lendário João Amazonas, dirigente
do PCdoB, participante da guerrilha.
Dentre
inúmeros casos, lembro o de Valquíria Afonso Costa, tida como desaparecida
política em 25/12/1973, após prisão e morte sob tortura nos porões da ditadura
militar, recebeu homenagem de uma cidade do interior de Minas Gerais seu estado
natal. Seu nome foi dado a uma antiga rua. Exemplos internacionais são
incontáveis. Com paradoxos. Heróis em seus países são criminosos de guerra nos
países oponentes.
Devemos
à democracia a oportunidade de discutir a memória histórica, repensando-a
coletivamente, desafiando o instituído. Os 50 anos do golpe civil-militar de
1964 nos trazem um espaço bem propício para ações de revisão histórica, dando
voz à memória coletiva, tirando do silêncio importantes atores sociais, evitando
nas novas gerações a amnésia social que tanto compromete a constituição de identidades
individuais e coletivas. O trabalho com
a memória, e suas relações com a história e o tempo presente oferece chaves para
releituras do passado. E é nessa perspectiva que são bem-vindas iniciativas que
oferecem aos nossos estudantes a oportunidade de ouvir a voz de excluídos da história.
Um comentário:
É mais fácil esquecer o sofrimento ou a alegria? Necessitamos reter ambas para sobreviver.
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