Companheiros Rui Patterson e Carlos Sarno em liberdade - 1982
O incansável e corajoso defensor dos presos políticos e dos direitos humanos Senador Teotônio Vilela
Louvando esse tempo em que o País é comandado por uma ex-militante da resistência à ditadura militar e ex-presa política, e que a Bahia é governada por um ex-perseguido político, tempo da aprovação da Comissão da Verdade, da consolidação da democracia, participo da implantação do projeto de âmbito nacional - Memórias Reveladas das Lutas Políticas na Bahia (1964-1985) – oportuna iniciativa da Fundação Pedro Calmon, órgão vinculado à Secretaria da Cultura do Estado da Bahia. Esse projeto, institucionalizado pela Casa Civil da Presidência da República, coordenado pelo Arquivo Nacional através do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, um marco na democratização do acesso à informação a serviço da cidadania e na valorização do patrimônio histórico documental. É a primeira articulação, governo federal e estados, para a preservação e difusão de acervos documentais, possibilitando o cruzamento de dados sob a guarda de cada Estado, o que estimulará a pesquisa, na perspectiva da história, da sociologia, da antropologia, da ciência política e do direito. Por meio da metodologia da história oral, estarão à disposição arquivos e histórias do período da ditadura militar, das lutas de resistência na Bahia, narradas pelos seus próprios autores. Uma política de reconstituição da memória nacional fazendo valer o direito à verdade. A memória é um bem público que está na base do processo de construção da identidade de um país. Pensando em Ivan Lessa – De 15 em 15 anos esquecemos os últimos 15 anos – que, instigado, mergulhei num passado cinzento em busca de lembranças da prisão, fruto da luta contra o arbítrio, trazendo para a atualidade, um pouco do cotidiano daqueles dias de chumbo, entre 1969-1971, na Galeria F da Penitenciária Lemos de Brito. A comida era deixada num tabuleiro; os pratos com feijão, carne e farinha, aguardavam a boa vontade de Cretiotonio, General e Bezerra, chefes dos agentes de presídio, para entregá-los aos presos, passando-os por uma pequena abertura nas portas das celas. Comer aquela intragável e fria comida era difícil, mas que fazer? Nenhum preso sobrevive sem a sua ração diária, ainda que a presença de moscas e vermes nos tirasse o apetite. Muitos padeciam de diarreias incontroláveis enquanto o organismo não se acostumava à adversidade.Isso parecia inevitável. As ordens dos militares eram de nos infligir todo tipo de sofrimento, como se as sessões de tortura não tivessem sido suficientes.
As reivindicações esbarravam nas velhas desculpas de resolver o problema futuramente, mas nada acontecia. Nas visitas, familiares e amigos traziam comidas e sobremesas para suprir o nosso déficit nutricional. Após passar pela “fiscalização” dos agentes, tudo era reduzido a uma pasta disforme. Nesse tempo, Carlos Sarno, companheiro de organização, preso em São Paulo, veio transferido do presídio Tiradentes e, lenta e persistentemente, convenceu o diretor do presídio, da vantagem de abrir a sua cela e nela reprocessar o “rango” da cadeia, servindo-o aos outros presos. A partir desse trato, ao final das tardes, uma sopa feita com as sobras do almoço era servida, insustentavelmente leve, deliciosa para os nossos paladares de prisioneiros.Ao sentir-me provocado a narrar algo significativo desses dias de chumbo, não atinei com nada mais dignificante do que lembrar essa atitude de reprocessar e servir o almoço, a incrível sopa de fim de tarde, com seus ingredientes surgidos, ao que tudo indica, da prodigiosa imaginação de Sarno e sua sensibilidade diante do sofrimento e da violência.O reprocessamento, a sopa, fizeram-me consolidar a crença na possibilidade de um novo mundo, de que eu mesmo seria capaz de transformar-me e a todos nós, e que, a partir da sopa, jamais seríamos, citando Marx, “poeira de humanidade”. Devo a Sarno muito mais do que a comida e a sopa reprocessadas.Falando em memória, impossível não lembrar de Leopoldo Paulino e sua profecia em Tempo de Resistência: Nós podemos contar nossa história. Eles não podem contar a deles. Publicado no jornal A TARDE da Bahia em 26.12.2011 -
Fotos daniel de andrade simões Texto:
mailto:advogadoruipatterson@terra.com.br
2 comentários:
"Lo que pasa que esta banda esá baoracha" ...está boracha ...
Nina
Este Daniel para mim é Reginaldo, Carvalho...além do solidário profissional, fotógrafo da primeira linha,é um "baita companheiro" nos conhecemos no exílio, Chile, França e Moçambique. Ele não desistiu da luta, é um verdadeiro Coojornalista. Li e gostei muito da luta dos baianos no livro do Rui Patterson, Quem Samba Fica...
Matias da VPR
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